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LemuriaHaeckel

A suposta difusão das raças humanas a partir de uma desaparecida Lemúria no Índico (E. Häckel, 1884, reproduzido em Lilia Moritz Schwarcz, O Espetáculo das Raças)

Pangea-continental-drift

A deriva dos continentes, tal como descrita pela moderna tectônica de placas

Lemúria foi uma hipótese científica do século XIX, elaborada a partir da presença de fósseis dos primatas primitivos conhecidos como lêmures na Índia e Madagascar, mas não na África ou no Oriente Médio, bem como de outras semelhanças geológicas entre as duas regiões.

Seguindo uma maneira de pensar comum entre os colegas de seu tempo, o geólogo Philip Sclater sugeriu em 1864 que essas duas terras tivessem feito parte de um continente da qual a maior parte havia afundado no Índico. Alguns outros cientistas especularam que esse continente tivesse se estendido também pelo Pacífico, para explicar a distribuição de certas espécies pela Ásia, Oceania e Américas.

Vinte anos depois, o biólogo Ernst Häckel, defensor da teoria da evolução de Charles Darwin, sugeriu que a espécie humana talvez houvesse evoluído nessa pátria original dos primatas, o que explicaria a dificuldade de encontrar fósseis do "elo perdido" entre os primatas avançados e os seres humanos. Seria o equivalente científico do "Paraíso Perdido" como origem comum da espécie humana (em oposição àqueles que acreditavam que as diferentes raças haviam evoluído separadamente em diferentes partes do mundo). Essa tese tornou-se rapidamente obsoleta, porém, com a descoberta, a partir de 1891, de fósseis pré-humanos na Ásia (inicialmente, Java e China) e a partir de 1924, de outros ainda mais antigos na África.

A idéia de continentes e pontes de terra desaparecidos por afundamento tornou-se obsoleta, também, a partir dos anos 60, com o mapeamento do fundo dos oceanos e a acumulação de evidências sobre o lento deslocamento dos continentes. Ficou então claro que a Índia e Madagascar estiveram de fato unidas em uma mesma massa de terra, o que explica as semelhanças geológicas, mas o movimento das placas tectônicas levou a Índia a separar-se há cerca de 88 milhões de anos e mover-se até sua atual localização no sul da Ásia.

Ironicamente, isso provavelmente nada tem nada a ver com a evolução dos lêmures cujo nome foi dado ao continente hipotético. Acredita-se hoje que eles surgiram há 62 milhões de anos, quando as duas terras já se haviam separado, aparentemente na Áfica de onde se espalharam para a Ásia, Europa e mesmo América do Norte, e também a Madagascar, onde parecem ter chegado por mar, sobre montes flutuantes de vegetação. Mais tarde, a maioria de seus descendentes se extinguiram, aparentemente devido à competição com os primatas mais inteligentes que depois ocuparam seus nichos ecológicos, mas não chegaram a Madagascar.

A Lemúria ocultista[]

Os teósofos adotaram elementos da hipótese de Häckel, mas a reformularam radicalmente. Em sua concepção, Lemúria (muito mais vasta que o proposto por Häckel) foi de fato o berço da humanidade, mas sua evolução não foi resultado de mutações casuais e seleção natural darwiniana e sim a imposição de entidades espirituais superiores Para detalhes sobre a concepção teosófica da história e geografia de Lemúria e seus povos, leia Lemúria teosófica.

Simultaneamente, o médium Frederick Spencer Oliver escreveu uma obra supostamente psicografada de "Philos, um tibetano" chamada Um Habitante de Dois Planetas (no original, A Dweller of Two Planets), na qual descrevia uma Atlântida bem diferente da versão teosófica. A narrativa começa por um encontro com um chinês de nome Quong, no monte Shasta, norte da Califórnia. Quong domava ursos e pumas com uma só palavra e convenceu o narrador a aderir a uma ordem de sábios que conservavam a sabedoria dos antigos em Shasta, antes de levá-lo a visitar Vênus com seu corpo astral e ensiná-lo a recordar suas encarnações anteriores, incusive em Atlântida, que ele chama Poseid (veja detalhes em Atlântida no século XIX).

SacrificioLemuria

Cena do sacrifício descrito por Oliver

Durante sua aventura em Poseid, o narrador consulta uma obra sobre história em uma biblioteca na qual é mencionada Lemúria, como uma terra que desapareceu eras antes de Atlântida e da qual a Austrália seria um remanescente. Também é informado por seu mestre que esse continente, também chamado Lemorus, pereceu "de fogo dos abismos interplanetários". Depois, chega a visitar a própria Lemúria antes da catástrofe, onde vê uma grande casa de pedra em uma campina plana, junto ao oceano, onde pastavam rebanhos de gado e pequenos cavalos com três dedos em cada pata. Dentro da casa, vivia uma mulher, seu filho e vários escravos. O filho falou ao "cruel" chefe dos escravos, de pele escura, que trouxe dois prisioneiros, um rapaz e uma jovem. Por ordem do dono da casa, o escravo sacrificou o rapaz, jogou seu coração aos pés da moça. A mãe consultou o sangue do rapaz em uma taça e disse que os deuses exigiam o sangue da jovem. Mas o dono da casa, subitamente apaixonado pela moça, sacrificou a si mesmo. Teria sido o primeiro auto-sacrifício por amor de outrem.

Atlantelemurian

Mapa da Sociedade Lemuriana, mostrando o mundo nas épocas de Lemúria e de Atlântida

Shasta

O monte Shasta, visto do Norte

A obra de Oliver influenciou Edgar Lucien Larkin, um ocultista idoso que, alguns anos antes de morrer, em 1924, dirigiu o Mount Lowe Observatory, uma atração turística criada pela Pacific Electric Railway junto à Pousada de Mount Lowe, na qual Larkin mostrava estrelas aos visitantes com um pequeno telescópio. Larkin assegurava que espiara os lemurianos no monte Shasta por meio de um telescópio e descobrira que um milhar deles vivia numa "aldeia mística" construída em torno de um grande templo em estilo maia. Acrescentou que apareciam ocasionalmente nas cidades vizinhas, envoltos em longas vestes brancas, com modos educados mas taciturnos, a fim de comprar provisões (principalmente enxofre, sal e toucinho) que pagavam com pepitas de ouro. Todos os dias à meia-noite celebravam a sua fuga de Lemúria com cerimônias que inundavam a montanha de luzes vermelhas e verdes. Não eram, porém, hospitaleiros para os que os visitavam e todos os que tentaram penetrar nos seus domínios não o conseguiram, ou nunca mais voltaram.

Em 1932, um certo Edward Lanser escreveu uma longa história sobre os lemurianos do Shasta para o Los Angeles Sunday Times, na qual o próprio Lanser dizia ter assistido às luzes rituais quando viajava de trem nas redondezas da montanha. Ainda nos anos 30, Guy Ballard, um engenheiro, disse ter encontrado ali o Conde Saint-Germain, que lhe informou sobre a Atlântida, Lemúria e outras civilizações desaparecidas, inclusive uma no deserto do Saara e outra, governada por um rei de nome Casimir Poseidon, na região do Amazonas. Fundou um culto chamado "I AM", que chegou a um milhão de seguidores antes de sua morte, em 1939.

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Outro mapa da Sociedade Lemuriana, mostrando a Lemúria em relação aos continentes atuais

Em 1940, uma certa "Sociedade Lemuriana" (Lemurian Fellowship), fundada em 1936 por Robert D. Stelle, publicou uma continuação de Um Habitante de Dois Planetas, intitulada Um Habitante da Terra Retorna (An Earth Dweller's Return), na qual requentou a trama original e acrescentou mais detalhes sobre Lemúria, incluindo um mapa. Essa sociedade continua a existir e divulgar sua "filosofia teocrística lemuriana" e chama indiferentemente o continente desaparecido de Lemúria ou de Mu. No livro The Sun Rises, Stelle descreve a criação da civilização lemuriana há 70 mil anos, contando a história de Rhu e Hut, dois amigos que convencem um grupo de primitivos a construir uma nova comunidade. Mais tarde, Hut tenta usurpar a autoridade de Rhu e tem um triste fim, no que parece ser uma projeção no passado de um conflito real entre Stelle e outro líder da comunidade "lemuriana", Howard John Zitko.

Em 1963, um livro chamado A Fronteira Definitiva (The Ultimate Frontier), assinado por Eklal Kueshana, afirmava a civilização lemuriana ou "mukuliana" havia surgido em 76 mil a.C. e durado 52 mil anos. O continente foi destruído em 24 mil a.C., por terremotos criados por um "deslocamento dos pólos". Era tão grande que, quando afundou, as águas dos oceanos do resto acorreram para o Pacífico e baixaram nos demais continentes. Um arquipélago de que existia no Atlântico teve suas pequenas ilhas deixadas a seco, formando um continente chamado Poseid, a Atlântida de Frederick S. Oliver (leia em Atlântida no século XIX), que veio a desaparecer muito mais tarde. Junto com Atlântida, existiu um igualmente desenvolvido Império Rama na Índia, no qual se deu a epopéia contada no Ramayana.

Kueshana era o pseudônimo de Richard Kieninger, que foi banido da Sociedade Lemuriana e acusado de plágio. Ele afirmava também que o Armageddon aconteceria em 1999 e a Terra seria destruída em 5 de maio de 2000. Depois disso, ele estabeleceria um "Reino de Deus" em uma ilha que surgiria do Pacífico, mas para isso seus futuros cidadãos seriam preparados em uma comunidade auto-suficiente perto de Chicago, chamada Stelle Group, que foi fundada em 1973 e que, segundo ele, chegaria a 200 mil habitantes em 2000. Em 1975, porém, ele próprio foi expulso da comunidade por envolver-se com jovens da comunidade, algumas casadas. Chegou a voltar e recuperar sua influência, mas em 1983, foi definitivamente expulso pela mesma razão e fundou outra comunidade, Adelphi, perto de Dallas, que nunca chegou a mais de 30 pessoas. Ele morreu em 2002, sem chegar a explicar o fracasso de suas profecias. O Stelle Group foi dissolvido em 2005, mas a comunidade, com cerca de 100 habitantes, ainda existe como um povoado dedicado a ecologia e agricultura orgânica.

Referências[]

  • Bijal P. Trivedi, "Do Pakistan Fossils Alter Path of Lemur Evolution?" em National Geographic, October 22, 2001 [1]
  • Lilia Moritz Schwarcz, O Espetáculo das Raças: Cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Cia. das Letras, 1993.
  • Geology.com: Plate Tectonics - Pangaea Continent Maps [2]
  • Wikipedia (em inglês): Lemuria (continent) [3]
  • L. Sprague de Camp, Continentes Perdidos. Lisboa, Livros do Brasil, s/d

Veja também[]

Lemúria teosófica

Mu

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