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Thingoe

Onça nas armas do distrito de Thingoe (Suffolk, Inglaterra)

Na heráldica medieval, havia um animal simbólico chamado onça (em inglês, ounce; em francês once, em espanhol onza; em latim luncia ou uncia), que não deve ser confundido com o jaguar, também chamado de "onça" em português moderno.

Era representado como um leão sem juba, ou um leopardo negro, às vezes, com manchas amarelas (ou seja, um leopardo "em negativo"). Ainda que sua figura fosse incerta, seu significado simbólico não se confundia de forma alguma com os do leão, da leoa, da pantera e do leopardo, animais com os quais mais se parece.

Nos bestiários medievais, a "onça" era descrita como o cruzamento adúltero, encontrado na Líbia, de leopardo com uma leoa. Era por isso tida como símbolo de luxúria, impureza e incontinência, mas sua figura também era usada em brasões de guerreiros que alardeassem habilidade para imaginar e executar estratagemas.

A onça em Dante[]

Joseph Anton Koch, dante nella selva trova le tre fiere e virgilio, 1825-28, 03

Dante na selva encontra as três feras e Virgílio, afresco de Joseph Anton Koch, de 1825-1828. Nesta versão, a lonza tem pintas como as de uma onça (jaguar) sul-americana.

No início da Divina Comédia, Dante se vê perdido em uma floresta escura. Sua vida havia deixado de seguir o caminho certo. Ao tentar escapar da selva, ele encontra uma montanha que pode ser a sua salvação, mas é logo impedido de subir por três feras: uma lonza (palavra geralmente traduzida em português como "leopardo"), um leão e uma loba.

As três feras, na opinião dos críticos, representam três tipos de pecados e três subdivisões do inferno: a incontinência (lonza), a violência (leão) e a fraude (loba), assim como três estágios da vida humana (juventude, meia-idade e velhice) à qual esses pecados estão mais associados. Os pecados cometidos na velhice seriam mais graves pois a alma que os comete é mais experiente e já sabe diferenciar o certo do errado.

Relação da onça lendária com animais reais[]

O nome uncia vem de lynx - em francês antigo, lonce, tomado como l'once. Em grego, lynx deriva de uma palavra que significa "luz", provavelmente por ter olhos brilhantes. Originalmente, era um felino mal definido, ao qual se atribuía uma visão ultra-penetrante, capaz de ver através de substâncias opacas e consagrado a Dioniso (Baco), que o encontrou na Índia.

É possível que seu modelo original tenha sido o caracal (Lynx caracal) da África e não o lince europeu. Plínio diz que o lynx vivia na África, parecia um lobo com pintas e sua urina endurecia em uma pedra preciosa vermelha. Aparecia no Coliseu a partir de Pompeu (55 a.C.).

Os portugueses aplicaram o nome da onça heráldica ao animal real, ignoto, que encontraram no Brasil e que os índios chamavam de jaguar, ou seja, o animal hoje conhecido em português como onça (Panthera onca).

Em dicionários modernos de espanhol, francês e inglês, a "once" costuma ser identificado com o leopardo-das-neves (Panthera uncia ou Uncia uncia). Vive nas montanhas do Himalaia, Mongólia e Sinkiang, tem pintas semelhantes às do leopardo mas menos definidas, pelo espesso e cor predominante cinzenta-amarelada. É o animal que representa o daemon de Asriel na versão cinematográfica de A Bússola de Ouro.

Parece pouco provável que o leopardo-das-neves, pouco conhecido fora de sua região, tenha inspirado a "onça" medieval. O naturalista Buffon, no século XVIII, chamou de "once" o guepardo (Acinonyx jubatus) ou cheetah e os dicionários do século XIX seguiam essa definição. Distinguiam, assim, três supostas espécies: a pantera (que hoje chamaríamos de leopardo asiático, de cor mais clara), o leopardo (que hoje chamaríamos de leopardo africano, geralmente de cor mais viva) e a "once" ou lonza (guepardo). Mais tarde, pantera e leopardo foram reconhecidos como uma mesma espécie, Panthera pardus, e em tempos recentes passou-se a chamar de "pantera" especialmente os leopardos negros, que existem tanto na Ásia quanto na África e não representam uma espécie ou mesmo subespécie, mas simplesmente uma variação individual, assim como pode haver na mesma região e até na mesma família pessoas de cabelo claro ou escuro.

A onça lendária como híbrido[]

Plínio escreveu sobre a "pantera" (do grego pánthēr, talvez derivado do sânscrito puṇḍárīka, "tigre"), chamou seu macho de "pardo" (do grego párdos, tido como de origem iraniana) e escreveu que o "leopardo" era o híbrido do "pardo" com uma leoa adúltera e que a traição enfurecia tanto o leão que a leoa tentava se lavar ou manter distância depois da relação com o estranho.

Para os gregos, párdos e pánthēr eram sinônimos, do gênero masculino, cujos femininos eram, respectivamente, párdalis e pánthēra, e que se referiam indistintamente tanto à espécie que chamamos hoje de leopardo (Panthera pardus) quanto ao guepardo (Acinonyx jubatus). A ideia de que o "pardo" podia se cruzar com uma leoa se deve, provavelmente, ao fato de que filhotes de leão nascem com pintas que lembram as do leopardo.

O cruzamento de leopardo com leoa é possível em cativeiro e o híbrido se chama, modernamente, de leopon ou leopão. Em estado natural, porém, esse cruzamento é extremamente improvável.

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Leopon, cruzamento de leão e leopardo na vida real

Quando, mais tarde, o nome de "leopardo" foi popularmente usado para o animal que hoje conhecemos como tal, a história de Plínio passou a ser narrada como se referindo ao cruzamento do leopardo com a leoa e seu produto como lince, lonza ou onça.

A onza mexicana[]

Em castelhano, o animal conhecido em português como "onça" é chamado de jaguar ou "tigre". Mas os espanhóis deram o nome da mal definida onza a outro animal desconhecido - um grande felino do México que é descrito como semelhante à onça-parda, puma ou suçuarana (também comum no México), mas mais feroz e agressiva.

Corresponderia ao animal chamado pelos astecas de cuitlamiztli, felino diferente tanto da ocelotl ou onça-pintada (Panthera onca) quanto da miztli ou onça parda (Felis concolor). O nome, supostamente, vem de cuitlachtli (provavelmente “urso”, símbolo de coragem para os astecas, mas geralmente traduzido pelos espanhóis como “lobo”) e miztli, puma.

O animal foi citado muitas vezes até o século XVIII. Depois, aparentemente, desapareceu até que, em 1986, uma suposta onza foi abatida no México. Foi fotografada e examinada por cientistas: parecia-se com uma onça-parda, mas mais esguia. Criptozoologistas especularam que se trataria de uma espécie aparentada à onça-parda, mas diferente – o mais ousado, Helmut Hemmer, afirmou que se tratava de uma sobrevivência do extinto guepardo pré-histórico da América do Norte, Acinonyx trumani. Entretanto, análises genéticas não mostraram diferença significativa em relação ao puma da América do Norte, o que sugere que era apenas um espécime peculiar do Felis concolor.

Onza

Provável puma abatido no México em 1986 e identificado com a onza

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